Existem tendências digitais que começam inocentes e evoluem com tanto entusiasmo que se tornam perigosas — especialmente para quem ainda está construindo identidade. As loot boxes são um exemplo claro disso. O Senado brasileiro entendeu que já era hora de traçar limites claros: o PL do ECA Digital foi aprovado e agora vai à sanção presidencial, proibindo categoricamente as caixas de recompensa em jogos acessíveis a crianças e adolescentes. Um passo acertado diante de um problema que ultrapassa o entretenimento.
O que propõe o projeto
Aprovado em 27 de agosto, o projeto de lei 2.628/22 — apelidado de “PL da Adultização” — cria um framework robusto para proteger crianças e jovens nas plataformas digitais.
Entre as principais medidas:
Proibição total das loot boxes em jogos que possam atrair menores de idade, revertendo mudanças anteriores da Câmara que aceitavam a prática sob restrições. O senador Flávio Arns justificou que essas mecânicas possuem gatilhos semelhantes aos de jogos de azar e não são seguras para menores.
Ferramentas de supervisão parental obrigatórias, incluindo bloqueios de comunicação com adultos, restrição de transações, geolocalização, notificações e recomendações — tudo no nível mais protetivo por padrão.
Vinculação obrigatória da conta dos menores a um responsável legal, com proibição de autodeclaração de idade.
Penalidades severas para descumprimento: advertência, multas de até 10% do faturamento, ou R$ 10 a R$ 1.000 por usuário, limitadas a R$ 50 milhões por infração, além da possibilidade de suspensão da atividade.
Obrigatoriedade de denúncias imediatas sobre conteúdos que envolvam abuso, exploração, sexualização de menores, sequestro e aliciamento.
Por que a proibição das loot boxes é uma pauta urgente
A lógica das loot boxes é clara: promessa de recompensa aleatória, que muitas vezes ativa um ciclo de consumo repetitivo. Nos adultos, isso já é controverso — com crianças, é ainda mais problemático. Essas premiações digitais, por mais inofensivas que pareçam, exploram impulsos que ainda estão em desenvolvimento. O projeto fala a uma verdade que muitas pesquisas internacionais já indicaram: a semelhança comportamental e neurológica com apostas é inegável.
Como bem colocou na justificativa: se jogos de azar
são proibidos para adultos, é incoerente permitir algo similar com menores, especialmente quando estudos mostram que esse tipo de mecânica pode servir como porta de entrada para comportamentos compulsivos.
Um passo necessário, mas com desafios pela frente
Tenho esperança real de que essa lei representa um avanço estrutural, mas claro, a realidade digital resiste a legislações sobrepostas. As empresas de jogos terão que reformular seus modelos de monetização, especialmente em mercados onde loot boxes geram boa parte da receita.
Além disso, a responsabilidade agora recai sobre o governo, plataformas e pais. As ferramentas e penalidades precisam ser realmente efetivas — não apenas promessas no papel. A fiscalização será chave. E, do lado dos pais, ainda vemos resistência natural de quem equaciona liberdade digital com segurança — um equilíbrio delicado, sobretudo num cenário de jogos online cada vez mais integrados com redes sociais e comunidades.
Conclusão
Essa lei é um acerto forte. Já era tempo de olharmos para o ambiente digital infantil com mais seriedade, reconhecendo que práticas que parecem “inocentes” podem ser armadilhas levando à compulsão e à exploração. A proibição das loot boxes não é sobre censura, mas sobre responsabilidade e cuidado. É uma lei que posiciona o Brasil na vanguarda da proteção digital dos menores.
Se transformarmos o mundo online num lugar mais seguro para as novas gerações, vale cada debate e cada veto.